Reportagem é da autoria do ator Andrew McCarthy e tem fotografias de Zach Ztovall.
A revista norte-americana "Islands Magazine" dedica, na edição de março, 10 páginas aos Açores. Na reportagem "Um mundo à parte" Andrew McCarthy fala da sua passagem por São Miguel, pela Terceira e pelo Faial, ilhas fotografadas por Zach Ztovall. O ator diz que o arquipélago é isolado e contente por ser assim.
"Agora estou ligado a estas ilhas remotas. Conectado à solidão e a quem nela vive. Parecem simultaneamente distantes e íntimos. Atados uns aos outros, como é comum nos ilhéus, ainda que singulares e afastados. Muito como as próprias ilhas: convidativas, mas isoladas. E contentes por ser assim", escreve o ator de séries como "Lipstick jungle" ou "Gossip girl" no final da sua jornada pela Região, onde aproveitou para visitar a Lagoa das Sete Cidades, as touradas na Terceira e a marina da Horta.
Em S. Miguel
A viagem começou na ilha grande, à beira de um vulcão e de duas lagoas, uma azul e uma verde. "São as Sete Cidades, a fotografia de postal mais popular dos Açores", escreve Andrew McCarthy.
Não há nada que disturbe a paisagem, diz o ator. Não há turistas armados de máquina, não há casais em lua de mel. "Descobri que estou a menos de cinco horas de Boston e, ainda assim, sinto-me muito longe de casa", pode ler-se. As nove ilhas dos Açores estão sozinhas no meio do Atlântico e as suas paisagens rivalizam com as do Havai, diz-se ainda, adiantando-se que o arquipélago é uma Região autónoma de Portugal.
"Somos açorianos primeiro e portugueses depois", terá dito Eduardo Elias da Silva ao ator americano. "O Eduardo reside em S. Miguel, a maior e mais populosa das ilhas, e, tal como muitos locais, examina os forasteiros com um olhar desconfiado", frisa Andrew McCarthy.
O lugar, adianta, está tão livre de turistas que a determinado ponto é-se obrigado a esperar que um lavrador encaminhe o seu gado rua abaixo. A atividade, escreve, é a base da economia regional.
O ator americano, também colaborador nas revistas de viagens "National Geographic Traveler Maganize", "Travel + Leisure", "Bon Appetit", "Afar" e "National Greographic adventure", visitou depois as Furnas. Ali os vulcões não estão extintos, gases e vapores seguem além das nuvens.
"Nunca sentes que vives no meio do nada? - pergunto a Lubélia Moniz. - Não, porque sei onde estou. - responde-me sem ironia", relata acrescentando que "aqui as pessoas movem-se silenciosamente pelas ruas".
Em S. Miguel, Andrew McCarthy visita ainda a igreja de Nossa Senhora da Alegria, "uma estrutura portuguesa simples". "A igreja está vazia. Instalo-me no último banco. É silenciosa, mas há qualquer coisa na qualidade do silêncio que me atrai. Não há sussurros, não é pesado. É simplesmente silenciosa. Dou-me conta de quão raramente me encontro rodeado de silêncio", descreve.
A sensação é de segurança, escreve o ator que diz começar a sentir-se como os açorianos se devem sentir: contentes por serem muito pequenos e tranquilos, num mundo que parece demasiado grande e ocupado.
Entre toiros
A paragem que se segue é a ilha Terceira, onde o tema que se desenvolve é as touradas à corda. O terceirense Rui Costa é o primeiro a explicar que já foi atingido por um toiro várias vezes, mas que não há nada fazer.
Segundo o autor de "Um mundo à parte", as touradas açorianas não se assemelham às touradas espanholas: o toiro não morre, não há praça, nem pompa, nem código de conduta. "No fundo, um toiro, de alguma forma controlado por homens destemidos que seguram uma corda longa, é solto e investe contra quem for tolo o suficiente para correr à sua frente ou para o provocar. Há muitos que o são", conta Andrew McCarthy.
Em todos os cafés se fala de toiradas, escreve o ator. É que de maio a outubro há mais de 250 touradas na ilha. Nunca são demais. Para compreender o fenómeno, o autor do texto diz ter-se deslocado à freguesia de São Sebastião para assistir a uma tourada. Há muita gente, sobretudo homen, que se agrupam nas ruas formando um anfiteatro. O cheiro no ar é húmido e aromático e há um foguete que sobe no ar.
"Aí, no fim da praça, um toiro preto, grande e zangado emerge de um portão castanho. Os homens que se demoravam na estrada estão agora alerta e recolhidos nos cantos da praça, onde podem escapar rua acima caso for necessário. Meia dúzia de jovens avança e anda às voltas do toiro, brincando aos matadores com guarda-chuvas. Não há ordem, nem estrutura", considera o ator nova-iorquino.
No intervalo, a hora é de lanche. O ambiente é relaxado e social, uma comunidade chegada e que gosta disso.
"Sobe outro foguete. Toda a gente volta às suas posições. O próximo toiro é solto. Sem pensar, desço e junto-me a um grupo de homens. Tudo parece inofensivo e sabe bem ser temporariamente um membro da comunidade, ainda que anónimo e com pronúncia americana. Encho o meu peito como os outros. Depois o toiro pára. Vira a sua atenção na nossa direção. Agora corre, rápido. Para onde é que foram todos? De repente, não há ninguém entre mim e o toiro. Não sabia que podia correr tão rápido", descreve.
Uma marina
No Faial há que parar no porto onde toda a gente pára, tal como lhe explica o escocês Frank Mallard. A ilha, explica Andrew McCarthy, "abençoada com um porto fundo", sempre foi um ponto de paragem, desde a indústria da baleia no século XIX.
O ator, visita depois a Caldeira do Faial, onde "as nuvens enchem a cratera como uma tigela de sopa". Depois, o autor no texto constata que os Capelinhos, vulcão que entrou em erupção em 1957 arrasando a terra que ainda espera por vida, contrasta com a vida que há na marina, onde há barcos do Japão, da Argentina e da África do Sul.
"Todos os que estão a bordo desses barcos seguem para o Peter Café Sport, o único lugar a abarrotar que encontrei nos Açores", adianta. Há um espanhol que diz que sonha há semanas com o bar mais emblemático da Região e onde se partilham histórias de viagem.
Mas do que Andrew McCarthy parece gostar é das atrações subtis da vida diária da ilha. "Uma caça à pasta de dentes transforma-se numa discussão entre cinco pessoas numa farmácia. Ao jantar, converso com uma empregada que tem madeixas roxas no cabelo. Mantemos um romance mudo e sem motivo, tirando um prazer inconfesso desta ligação passageira. A chuva vai e vem. Os barcos atracam e vão-se embora".
Publicada oito vezes, por ano, com uma circulação média de 220 mil exemplares e vencedora de vários prémios a nível internacional, a Islands Magazine, inteiramente dedicada a ilhas, é uma das mais conhecidas revistas da especialidade.
Fonte: Diário Insular e A União
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