Começo por lhe dizer que não gosto de si, como perceberá, facilmente, pelo que vou escrever adiante. A minha intenção é partilhar algumas (poucas) razões, e perdi-lhe que nos faça dois favores que se tornaram quase consensuais.
V.Exa. começou por ser, em 1980, um mau ministro das Finanças e do Plano, no VI Governo Constitucional, presidido por Sá Carneiro. Esteve lá um ano (o tempo que durou o governo), literalmente a desbaratar dinheiro, e deixou como legado o maior défice das contas públicas desde o 25 de Abril até hoje. Depois, pirou-se habilmente e deixou nas mãos de Morais Leitão o seu desastre financeiro, que Balsemão prolongou até 1983, altura em que o IX Governo, resultante de uma coligação entre Soares e Mota Pinto, teve que pedir a segunda intervenção do FMI.
Em 1985, após de ter ido à Figueira da Foz fazer a malfadada rodagem ao seu carro, e ter saído de lá, para surpresa geral, líder do PSD, acabou com o Governo do Bloco Central, e chegou a pôr em causa a nossa entrada na CEE. Seguiu-se o seu longo mandato de dez anos e três governos, que beneficiou de milhares de milhões de escudos, que a Comunidade Europeia fez chegar a Portugal, para a sua política económica do betão. Com esse dinheiro, Ferreira do Amaral, um sujeito vaidoso que gostava de ser comparado a Fontes Pereira de Melo, fez dezenas de quilómetros de estradas e auto-estradas - que eu não critico, por considerar que foram necessárias -, mais algumas obras faraónicas e extemporâneas.
O que eu critico (e não perdoo) foi o maior deboche com a pipa de massa que chegou da "Europa", para subsidiar formação e projectos de investimento privado, e que foram desviados para a compra de carros e casas de luxo, ou para offshores, porque o governo não teve critérios apertados na sua distribuição, e não soube fiscalizar atempadamente o seu destino. O que eu critico (e não perdoo) é ter destruído o nosso sector primário (a agricultura e as pescas) em troco de uns provisórios milhões - acompanhou a histórica tradição portuguesa, e não esteve sozinho, porque o PS aceitou pacificamente; e Soares, que ocupava o seu lugar na época, foi conivente e já se arrependeu. Com todo o dinheiro que chegou, V.Exa. não dedicou o suficiente às políticas sociais, e não se preocupou em conferir sustentabilidade ao Estado Social - eu prefiro continuar a chamar-lhe Estado Providência. Os seus ministros para essa área, Mira Amaral e Silva Penedo, pelos seus curricula, antes, durante e depois, demonstram não ter perfil para o cargo, e afundaram a Segurança Social. O que me lembro é de um homem que se diz keynesiano ter convidado - no embalo do neoliberalismo dos anos 1980 -, para seu ministro das finanças, Jorge Braga de Macedo, na altura um aprendiz neoliberal, inventor da "teoria do oásis", que quase esmifrou o país. O que eu critico (e não perdoo) é ter censurado o José Saramago, levando-o a emigrar para Lanzarote. O que eu não esqueço são os seus ministros da Educação: Diamantino Durão, um trapalhão, Couto dos Santos, um impreparado, e Manuela Ferreira Leite, uma ignorante na matéria.
O que eu nunca esquecerei é sua famigerada frase: "Nunca me engano, e raramente tenho dúvidas." A maioria das pessoas julgou tratar-se somente de uma manifestação de arrogância; mas eu entendi, de imediato, o que penso até hoje: V.Exa. revelou ser objectivamente estúpido e distintamente idiota: só os estúpidos julgam nunca se enganarem, e só os idiotas raramente têm dúvidas.
E assim mantive o meu desgosto por V.Exa.. A 7 de Janeiro de 2006, quinze dias antes da sua primeira eleição presidencial, escrevi, no meu site da época, chamado, fervorosamente, O Berro: "Cavaco Silva, o Estreito. Cavaco Silva é uma daquelas criaturas que me causa sempre uma irreprimível alergia epidérmica. O indivíduo só fala e sabe (?) de finanças, e jamais me esquecerei da sua figurinha a comer bolo-rei. Em boa verdade, ele é o exemplo perfeito da nossa atávica mediania provinciana. Além do mais, tem a postura hirta de um poste de iluminação pública e é demasiado estreito de ideias sobre o Mundo. Não percebe patavina do que se passa em África ou no Médio Oriente, e não é capaz de parir um pensamento sobre (...) o futuro da sociedade em geral, o desejado mas difícil ecumenismo religioso, a crescente migração planetária, o multiculturalismo, os sérios problemas ambientais, o terrorismo e o crime internacional, a globalização e os seus efeitos, os vertiginosos progressos científicos, e, muito menos, sobre cultura. Nunca terá lido Filosofia, História ou Arte (...). Afinal, quem serão os incautos que vão votar neste arrogante parolo para PRESIDENTE DA NOSSA REPÚBLICA?" Como pode ver pelas minhas maiúsculas, já estava visivelmente irritado, porque sabia que a traição de Alegre a Soares (quantos já não se terão arrependido?!) iria dar-lhe a vitória de bandeja. No dia 22 desse mês, foram 2 773 431 aqueles a que antes chamei "incautos".
V.Exa. fez um primeiro mandato paupérrimo, sem flama nem novidades, e com uma intervenção despropositada, pela dimensão que lhe deu, a propósito da trapalhada da Assembleia da República, sobre o Estatuto Político-Administrativo dos Açores. No dia 1 de Agosto de 2008, registei, ironicamente, no meu antigo blog, A Soma da Minha Vida: "Quando tomei conhecimento de que Cavaco ia, com pompa e solenidade, 'dirigir-se' ao país para fazer uma comunicação de Estado, desabafei à minha pequerrucha: "O tipo vai dizer que tem bicos de papagaio incuráveis e, por isso, vai renunciar." Enganei-me na renúncia, mas acertei nos bicos de papagaio. Só um papagaio ocioso, sem nada para fazer ou dizer, é que manda parar um país para abrir o bico e não dizer nada. Cavaco já não acumula cuspo nos cantos da boca, mas continua a ser desagradável vê-lo ouvir falar (...). Sendo um assunto no qual todos os partidos (sem excepção) têm 'culpa' e responsabilidades exclusivas (recordo que o Estatuto foi votado por unanimidade na Assembleia da República), e cabe aos deputados resolverem e corrigirem as inconstitucionalidades que deixaram passar (e que já todos admitiram), pereceu-me que a explicação para aquela estultice foi o homem acordar com os gritos da Maria, e decidir mostrar ao mundo que é muito homem: "Pronto, vou dirigir-me ao país! Assim a Maria vai ver quem é que manda e deixa de me obrigar a comer salada de rúcula." (...). Outra explicação - muito rebuscada, admito - para Cavaco Silva ter feito aquele aparato todo, é a remota possibilidade de ele andar a ler Leibnitz (...), e ter dado com uma questão que o filósofo coloca por razões de natureza metafísica, mas que Cavaco terá levado à letra (...): "Porque é que existe uma coisa em vez de nada?" "Boa", pensou O Estreito, "vou fazer existir um facto político para que não me acusem de só visitar lares de idosos e aparecer nas vindimas.""
E assim foi andando a sua presidência. O ano passado voltou - pela tradição dos dois mandatos - a ser eleito, mas, precisamente por não ter feito um corno de jeito, teve menos meio milhão e tal de votos. E daí para cá piorou o seu desempenho. Quando se fizer História a sério, V.Exa. terá direito a um parágrafo, onde se registará que foi um mau primeiro-ministro, pela orientação político-económica e pelo enorme desperdício, e um presidente da república inútil. A menos que...
Como não tenho ilusão nenhuma que tenha melhorado, conservo a ideia de que V.Exa. permanece convencido que nunca se engana e raramente tem dúvidas. Por isso, entendo o seu vexatório silêncio das últimas semanas, como resultado da certeza que vai esperar pela aprovação do Orçamento na AR (um espectáculo que se aguarda penoso) para demitir este governo. Poupo-lhe as inúmeras razões para o fazer, porque já as conhece melhor do que eu. Digo-lhe apenas, e resumidamente, que se trata de um governo fantoche, composto por alguns comissários do Goldman Sachs, que está, propositada e criminosamente, a arruinar este país. A proposta de Orçamento de Estado para 2013 é a última prova dessa intenção. Por isso, não o promulgue. Chame os drs. Passos Coelho e Paulo Portas, e enxote-os de vez. De caminho, demita-se também! Depois, deixe-se estar quietinho, que nós (a malta toda) trataremos de arranjar uma solução.
Recordando o Salgueiro Maia, "Há alturas em que é preciso desobedecer". E virar tudo do avesso, acrescento eu.
Artigo publicado Diário Insular,
Autor: LUÍS FILIPE MIRANDA